“...Ela conheceu muito de Deus, mesmo não sabendo o que é fé, no entanto, ela amou!
Um dia em Andaluzia, havia um cigano; o nome dele era Omar, tinha seus músculos muito fortes, seu rosto marcado por uma certa dureza, mas ninguém sabia fazer sinos como aquele cigano.
Ele trabalhava o bronze, de tal forma, que era capaz de extrair sonoridades de sinos muito pequenos ou gigantescos e vinha, de longe, o clero, para encomendar sinos para Omar, o sineiro cigano.
Omar vivia com seu bando radicado em Andaluzia e tinha todos eles amigos gratos, porque o dinheiro que ele recebia do clero, e ele cobrava regiamente, como eles cobravam suas missas, seus batizados.
Ele repartia com todos os ciganos, não deixando faltar nada, e era amado por todos.
Mas desde que o sol nascia até o anoitecer, o barulho insistente dele trabalhando o bronze era ouvido e respeitado, mas havia uma jovenzinha cigana, que ele tinha por ela um especial carinho, seu nome era Sarita.
Ela sempre estava por ali a rondar Omar e falava para ele:
Porque você faz sinos?
Porque dizem que os sinos chamam as pessoas para Deus, para mim, sino é sino, é um instrumento que emite som. Mas eu prefiro o banjo..
E Sarita ria, dizendo:
Eu prefiro o bandônion
É? Tem muita gente aqui que não gosta de barulho, mas não reclama, porque você ajuda a todos nós.
Sarita, você é esperta demais, ele suportam meu barulho porque são preguiçosos e não querem trabalhar, porque eu trabalho sem cessar. Ele falava
E Sarita olhava Omar e desde quando ela era pequena o rosto dele era o mesmo, não mudava, parecia passar o tempo, seus cabelos ainda eram negros.
Omar não envelhece diazia a sua mãe. Ele trabalha e trabalha com alegria.
E ela continuava a perguntar, pois ela tinha uma curiosidade enorme:
Omar o que que os padres fazem com os sinos?
Chamam as pessoas para as missas....
E o que eles fazem nas missas?
Dizem que rezam, rezam para Deus.
Só isso?!
Não! Eles também batem os sinos quando as pessoas morrem.
Quando as pessoas morrem?!
É! E quando fazem festas dos santos também batem os sinos.
Ué! Então eles batem os sinos para tudo? Eles compram tantos sinos, veio um padre aqui e comprou seis sinos do mesmo tamanho, você ficou trabalhando tanto tempo; um sino só não chegava?
Aquele padre queria um carrilhão, foi o que eu fiz, seis sinos que tocam de uma vez só!
Ai! Mas que barulhão Omar! Será que Deus só escuta quando bate o sino?
Não! Deus escuta àqueles que choram, Deus escuta àqueles que sabem sorrir, Deus escuta àqueles que dançam, Deus escuta àqueles que trabalham, não é preciso bater o sino para que Deus nos escute, guarde isso Sarita com você.
Você não podia fazer um sino para mim?
Vou fazer um sino bem pequenino e vou colocar nele dois corações: o meu e o seu ele falou.
Ela ficou toda feliz!..
Ele parou com todas as encomendas e não se ouviu no bando aquele barulhão infernal, que na verdade, era celestial, e foi fazer naquele dia o sino para sua pequena Sarita.
Quando eu vou tocar o sino, Omar? Falou Sarita.
Quando você quiser! Toque quando você quiser! Se você quiser falar com Deus, toque o sino, se você estiver alegre, toque o sino, se você estiver triste, toque o sino.
Ah! Eu queria muito... muito... ver o seu carrilhão tocar numa igreja.
Quando eu for ao centro de Andaluzia, vou te levar a uma igreja para você ver de longe onde ficam os sinos que eu faço.
E assim ele fez: levando Sarita pela mão, comprou para as jovens gitanas muitas águas de cheiro e mostrou para ela a igreja.
Esperaram chegar as dezoito horas, chegariam um pouco tarde no bando, lá no acampamento, mas ela teve a alegria de ouvir o sino tocar.
Que barulho! Disse ela.
As pessoas iam chegando, carruagens iam parando e todos olhavam para ela e para aquele homem, vestido apenas com uma minúscula jaqueta de couro.
Omar, olha o rosto dessas pessoas, olha que cara feia eles têm, as mulheres são bonitas, mas olham com a cara tão feia!
Será que Deus vai gostar?!.. falou ela.
Sarita, não sei, de Deus entendo pouco, de sinos entendo muito, não sei! Pode, às vezes, atrás de uma cara feia, ter uma grande dor e pode, às vezes, atrás de um sorriso, ter um mar de pranto, são coisas da vida e você é muito pequena para entender de viver. Vamos voltar?
E ela, com a sua saia rodada, foi saltitante pelas ruas, dando rodas, sendo olhada pelas pessoas do povo, porque na igreja só podiam entrar luxuosamente vestidos. Ela pegou a carroça e foi cheia de felicidade contar as coisas que tinha visto. Era uma gitana Andaluz.
Para baixo e para cima ela andava com o sino na mão, olhando para o céu pensando:
“Onde será que Deus se esconde?! Como será a face de Deus? O que será que tem dentro das igejas? Porque Deus só escuta, quando é chamado com os sinos?...”E ela batia o seu sininho todo o dia e olhava para fora de sua barraca dizendo:
Será que Deus me escutou?...
Um dia Omar começou o seu trabalho e já eram duas horas da tarde, o sol já tinha se posto a pino e já estava dobrando no firmamento e Sarita não chegou e ele foi até a tenda e perguntou:
Cadê Sarita?
Queima em febre, não sei o que fazer! Disse a mãe dela.
Tem que fazer alguma coisa1.. falou ele
Já dei todas as nossas ervas, a febre não cessa e não é só a febre, ela delira e já não tem mais, no seu corpo que definha, qualquer líquido. Ela toma e vomita.
Ele colocou-a numa manta e falou:
Vou procurar um doutor.
Chegou no centro onde os doutores atendiam, bem surtido com uma sacola de couro com moedas de ouro e pediu a um doutor que olhasse a pequena Sarita.
O que ela tem? Disse o médico.
Febre!
E explicou as reações orgânicas da menina, os problemas de vômitos intestinais.
Vocês vão ter a peste onde vocês moram. Ela está com cólera, vai durar pouco tempo; seu corpo é muito jovem para agüentar, disse ele.
Mas não é possível doutor!
Vá! Vá! E leve a menina, leve-a, não queremos saber de nenhum cigano no centro da cidade, já vou comunicar às autoridades para que vocês fiquem de quarentena, até morrer o último dos ciganos.
Ele voltou com Sarita. Velou três sois e três noites e ela morreu...
Arranjara um local, porque eram obrigados a pôr fogo no corpo dos ciganos que morriam, mas ele arranjou um lugar, enterrou aquele corpinho e enquanto eles carregavam Sarita ele ia à frente batendo o sininho que ele fez.
Como nos campanários, com dois pedaços de bronze e um suporte, um lugar para dependurar o sino.
Ficou dois dias plantando flores, qualquer flor que encontrasse, ele levava para aquele lugar e enfeitava de flores e quando o vento batia... o vento que não tem preconceito, o vento que não escolhe por onde passar e passa sem medo em qualquer lugar, que não vê raça, que não vê guerra nem paz, o vento de Deus, batia o sininho que cimbalava:
“adeus Sarita! Adeus Sarita!”
Mais cinco pessoas da mesma família de Sarita partiram, mas, como se esperava, não houve um grande surto de cólera, porque Omar, além de ser um grande sineiro, era um homem observador, experiente e vivido e isolou as pessoas e tratou aqueles que estavam com cólera e seu corpo forte como bronze não se contaminou e o vento tocava o sininho:
Adeus Sarita! Adeus Sarita!
Nenhum comentário:
Postar um comentário