terça-feira, 17 de maio de 2011

NÓS,CIGANOS

“Eles se movem como o sol e a lua. São nômades. Ou, antes, são como as ondas.

Estão em toda parte. Chegam e partem rápido. Parece o vento.

Num momento estão aqui. No outro, sumiram. Numa lufada, deixam traços indeléveis de sua passagem no eco de sua música, no relinchar de seus cavalos, no sorriso alegre de suas mulheres.

Não, não é o vento. São os Filhos-do-Vento!" (Trecho de um poema persa, cerca de 200 a 400 A.C., descrevendo o povo nômade que viera da região de Gujarat, Índia.)...


Nós ciganos somos um povo único.

Nenhuma outra raça recebeu do Criador tantos dons maravilhosos juntos: a musicalidade, a facilidade de pintar, fazer poesias e contar histórias, a habilidade manual do artesanato com metais e com materiais da natureza; a possibilidade de vislumbrar o futuro nas linhas das mãos e nas diversas outras mancias; a harmonia dos gestos e a expressão das emoções na dança, nas artes cênicas e circenses.

Nenhum outro povo soube entender tão bem os animais e ensiná-los.

Nenhum outro povo traz consigo esse poder de se adaptar às situações novas e arriscadas e extrair delas lições de sobrevivência.

Nenhum outro povo sofreu tanto e foi tão espezinhado e perseguido em nome de seu ideal de liberdade!

Nenhum outro povo é tão alegre e vibrante, tão sentimental e tão apaixonado pela vida...

Em nós guardamos as emoções mais fortes, mais ardentes, mais humanas!

Somos pura arte, pura emoção!

O pianista espanhol de origem Calon, David Peña Dorantes, diz em uma entrevista ao Euronews, falando da música cigana:

(...) “Uma música que faz vibrar qualquer cidadão, de qualquer parte do mundo, de qualquer cultura. Isso tem tanta força que qualquer ser humano do mundo o capta e o faz vibrar, como campainhas, numa catedral.

É mesmo assim, a música flamenca, a minha música daqui, da Andaluzia.

Com um cigano do norte de França ou dos países do Leste, temos em comum a alma, sobretudo. As formas são diferentes, mas a alma é a mesma.


A alma musical, poética dos ciganos, essa sensibilidade que nos distingue, que nos dá força para vencer obstáculos, discriminação, sofrimento, é a nossa marca, a nossa herança, o nosso orgulho ancestral!

E como nos diz SPATZO no final de seu poema “LIBERDADE”:

“A nossa é uma vida simples, primitiva.
Basta-nos ter o céu por telhado,
um fogo para nos aquecer
e as nossas canções, quando estamos tristes”

Na música expressamos melhor o que nos vai n’alma: a tristeza ou a alegria.

Nossos sentimentos são intensos e naturais como os fenômenos da natureza: fortes como os ventos das tempestades, puros como as águas, ardentes como as chamas de nossas fogueiras, delicados e sensuais como a maciez das pétalas perfumadas das rosas...

Somos orientais e, como tal, amamos os prazeres da vida, vivendo intensamente cada segundo sem pensar no futuro, pois ele pertence a Deus, pertence ao Anankê, ao Destino.

Amamos a paz e, nunca fizemos guerras!Disso nos orgulhamos.

Somos ponte, traço de união entre Oriente e Ocidente.

Mesmo que os gadjês desconheçam ou ignorem propositadamente, somos a solda que uniu etnias, crenças e culturas do mundo inteiro nas nossas intermináveis andanças.

Um pouco de nós está escondido em cada ser humano: o sonho de liberdade, a busca eterna da Beleza, a expressão das emoções, das palavras e dos gestos, livres de medos ou preconceitos, a alegria inocente e espontânea.

Devemos ser gratos à Dhiel (Deus) pela abundância de dons que herdamos. Isto nos faz os seres mais ricos e os mais felizes, embora tenhamos sofrido perseguições, discriminação, miséria e morte ao longo dos tempos, por culpa da ignorância e do preconceito.

Nossa missão neste mundo é uma linda e dignificante missão: a de levar a alegria e a beleza a todos os lugares.

Somos os menestréis (poetas e cantores andarilhos da Idade Média) da vida.

Somos, é verdade, plenamente humanos, com defeitos e qualidades, iguais a todos os outros homens deste planeta, sejam de que raça for.
Esta humanidade nos iguala, nos faz companheiros da mesma caravana, da mesma viagem no Vurdón do Tempo.
Faz-nos gente. Torna-nos a todos irmãos e com o mesmo direito à felicidade.
Conta uma lenda que Deus chamou os seres humanos e distribuiu as profissões: artesãos, pintores, decoradores, médicos, professores, engenheiros etc.
E o último a chegar foi o cigano, com palhas nos cabelos. Ele acabava de sair de um celeiro onde estava dormindo, porque, como de hábito, é preguiçoso.

E perguntou a Deus:
”Então, e eu, o que é que me dás?”
Deus disse: “Não tenho mais nada para ti... Chegaste tarde demais”.
Então o cigano foi saindo desapontado, mas Deus, com a sua bondade infinita, disse:

“Espera um momento! Afinal tenho algo para ti...”
E deu-lhe um violino.

por Cezarina Macedo

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